Da responsabilidade do fornecedor de bens no Código de Defesa do Consumidor

Da responsabilidade do fornecedor de bens no Código de Defesa do Consumidor

O advento do Código de Defesa do Consumidor – CDC veio trazer um maior equilíbrio as relações travadas entre fornecedor e consumidor, com especial destaque a hipossuficiência deste o último.

Todavia, não obstante o reconhecimento da maior vulnerabilidade do consumidor, devidamente resguardada no mencionado Codex, há que se buscar um adequado equilíbrio entre as partes, a fim de que tal hipossuficiência não se converta em ferramenta de abuso por parte dos ditos consumidores.

Buscando alcançar este objetivo, nosso micro sistema de defesa do consumidor tem sido aprimorado através da melhor interpretação tanto da doutrina quanto da jurisprudência.

Visando tal aprimoramento, os operadores do direito têm buscado a mais adequada a delimitação do tempo e forma para a concessão de garantia por parte dos fornecedores de produtos comercializados.

Veja que, ao tratar da comercialização de produtos (e serviços), o CDC reconhece que estes estão sujeitos a um limite temporal de garantia, porém tal garantia não se dá de forma irrestrita em relação aos bens e seus componentes, visto que estes em razão de sua natureza e fruição, estão sujeitos a desgastes conforme expressamente se constata no art. 8°: “ Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.”

Ora, tal regramento, explícita no texto legal acima destacado, deixa claro que o escopo da legislação de defesa do consumidor não foi dar uma garantia absoluta ao adquirente de bens, mas relativa, equilibrando as partes na relação de consumo.

Diante disso cabe a indagação: qual seria o lapso temporal previsto pelo Código de Defesa do Consumidor para a garantia de produtos comercializados?

Para respondermos a esta pergunta é necessário entender o tratamento dado aos bens de consumo pelo CDC.

Segundo o diploma em debate, os bens (e serviços) possuem duas fazes distintas em sua existência, quais sejam, a fase de preservação e a fase de consumo.

A primeira delas, chamada de preservação, é aquela que dura o tempo razoável para que aquele bem seja adequadamente usufruído pelo consumidor.

Nesta primeira fase, há uma previsão legal onde o bem deve ser usado da forma e para os objetivos que foi criado, sem que isso cause qualquer prejuízo ao consumidor.

Não é por outra razão que esta fase coincide com o período de garantia dado pelo fabricante para aquele produto. Enquanto na garantia (fase de preservação) o fabricante responde perante a legislação consumerista por todo tipo de vício que o bem possa apresentar salvo aquele advindo de uso inapropriado ou, conforme já esclarecido, aquele decorrente de desgaste natural do bem.

A fase seguinte, denominada de degradação, é aquela no qual este bem ou serviço , pelo consumo do mesmo, vai se esvaindo e, por tal razão não pode ser alcançada por qualquer garantia.

Na fase de preservação, a garantia se encontra insculpida no art. 26 do CDC que assim, dispõe:

Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:

        I – trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis;

        II – noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis.

  • 1° Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços.
  • 2° Obstam a decadência:

        I – a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca;

        II – (Vetado).

        III – a instauração de inquérito civil, até seu encerramento.

  • 3° Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito.

A simples leitura do artigo destacado nos mostra o lapso temporal para o alcance da garantia dos bens não duráveis (30 dias, inc. I) e duráveis (90 dias, inc. II).

Na aquisição do bem, se por um lado o consumidor tem o direito de usufruir do mesmo usado ou novo em sua integralidade, não pode, pela via reflexa, o fornecedor estar obrigado a um eterna prestação de garantia do mesmo, em especial em razão de desgaste natural e fruição do mesmo.

Diante desta aparente contraposição entre direito e dever das partes envolvidas na relação de consumo, a única maneira possível de se manter o aludido equilíbrio entre as partes é através de uma aplicação conjunta dos dois dispositivos já mencionados, os artigos 8° e 26° do CDC.

Nesta interpretação combinada, temos que um bem usado, ao ser adquirido no período da garantia (preservação), deve estar em plenas condições de uso, mas as partes que o compõe, quando afetadas pelo desgaste natural e fruição, não são cobertas por qualquer garantia legal ou contratual.

Esta tem sido a posição adotada pela melhor doutrina e jurisprudência aplicadas ao tema ora debatido, como faz eco a seguinte jurisprudência sobre a matéria:

Apelação nº 70035372143

O TJRS negou provimento ao pedido de indenização pleiteado por consumidora que recorreu ao Judiciário alegando vício em veículo. No entendimento dos magistrados da 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que confirmaram a sentença proferida pela Juíza Laura de Borba Maciel Fleck, os problemas apresentados pelo automóvel decorreram do desgaste natural e da ausência de manutenção adequada.

Caso

A autora ajuizou ação ordinária indenizatória de danos morais e materiais em face da empresa Maxim Veículos Ltda. e da Peugeot Citroen do Brasil Automóveis Ltda. Alegou ter adquirido, em abril de 2004, carro zero quilômetro, Peugeot 206, na concessionária demandada, pelo valor de R$ 31,2 mil. Afirmou que, assim que começou a transitar com o automóvel, percebeu barulhos que pareciam defeitos na lataria, sendo que, tão logo atingiu os 20 mil quilômetros, foi realizar a primeira revisão e relatou o ocorrido. Segundo ela, na ocasião, embora lhe tenha sido informada a solução, o bem permaneceu apresentando os mesmos problemas.

Efetuou inúmeras reclamações e, na ocasião da segunda revisão, reiterou a ocorrência dos barulhos, tendo lhe sido cobrada a quantia de R$ 2, 7 mil (troca de peças e serviços). Referiu que o bem permanece na concessionária. Pleiteou a condenação das demandadas ao pagamento de indenização correspondente às despesas necessárias, a substituição do veículo defeituoso, por outro de igual marca e modelo e requereu indenização por danos morais.

Citada, a Maxim Veículos Ltda. confirmou a realização do negócio realizado entre as partes, bem como ter a parte mencionado, quando da primeira revisão, barulhos na dianteira do bem, sem que nada tivesse sido constatado. Foi novamente procurada pela autora, que mencionou problemas no veículo. Realizada a inspeção, constataram-se danos decorrentes do desgaste natural do veículo (folgas nas buchas dos braços da suspensão dianteira e folga no pino do limitador da porta traseira), não tendo sido autorizado o conserto, embora advertida.

Em outra oportunidade, foram constatadas outras avarias decorrentes das primeiras. Foi então apresentado novo orçamento e propostas vantajosas, contudo, a demandante deixou o automóvel nas dependências da empresa. Assim, refutou as alegações e pedidos, sustentando a ausência de vício e de responsabilidade, e pugnando pela improcedência da demanda.

A Peugeot, por sua vez, sustentou a ausência de vício no veículo, atribuindo os danos ao desgaste natural do carro e responsabilizando a inércia da autora pela majoração dos prejuízos. Sustentou que os reparos devem ser arcados pela parte, não podendo lhe ser atribuída qualquer responsabilidade pela degradação do bem. Refutou as pretensões e pugnou pela improcedência da demanda.

Sentença

Em 1º Grau, a ação foi julgada improcedente pela Juíza de Direito Laura de Borba Maciel Fleck, sendo a autora condenada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em R$ 1 mil, condenação essa suspensa em razão da concessão de AJG.

No entendimento da magistrada, a constatação do laudo pericial é no sentido de que os problemas apresentados pelo veículo decorrem de do desgaste natural do mesmo, pelo que se descarta a alegação de vício.

Insatisfeita, a autora apelou sustentando que o veículo adquirido junto às rés, zero quilômetro, apresentou vícios que impediram sua utilização.

Apelação

Para o relator do recurso, Desembargador Jorge Alberto Schreiner Pestana, o recurso não merece ser provido. Segundo ele, deve ser vedado o comportamento contraditório da requerente que, mesmo alegando defeito, ainda assim retirou o bem da concessionária e seguiu utilizando o veículo pelo período de um ano, percorrendo ampla quilometragem.

No caso, a irresignação da demandante não encontra amparo na prova produzida porquanto há demonstração de que os problemas mencionados no veículo decorreram do desgaste natural, bem como pela ausência de manutenção, não sendo oriundos de qualquer vício na fabricação do automóvel, diz o voto.

Participaram do julgamento, além do relator, os Desembargadores Paulo Roberto Lessa Franz e Túlio Martins

(http://tj-rs.jusbrasil.com.br/noticias/3160256/desgaste-natural-e-falta-de-manutencao-de-veiculo-afastam-dever-de-indenizar)

Fernando Ferraccioli de Queiroz

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